STF SUSPENDE BLOQUEIO DE CONTAS DE BENEFICIÁRIOS DO BOLSA FAMÍLIA E DO BPC EM APOSTAS ATÉ AUDIÊNCIA DE CONCILIAÇÃO
19 de dez. de 2025

O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu temporariamente o bloqueio e o encerramento compulsório de contas já ativas em operadoras de apostas regulamentadas de pessoas beneficiárias do Programa Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC). A decisão foi proferida nesta sexta-feira, 19 de dezembro, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) nº 7.721, após petição apresentada pela Associação Nacional de Jogos e Loterias (ANJL).
A medida não revoga integralmente as restrições impostas pela Secretaria de Prêmio e Apostas do Ministério da Fazenda, mas estabelece um freio temporário aos seus efeitos mais gravosos. Ficam suspensas, até a realização de audiência de conciliação, as obrigações operacionais que determinavam o bloqueio e o encerramento compulsório de contas já existentes. Permanece válida, contudo, a vedação à criação de novos cadastros ou à abertura de novas contas por beneficiários desses programas sociais, conforme previsto na Instrução Normativa SPA/MF nº 22/2025.
A ADI 7.721 insere-se no contexto mais amplo da regulamentação das apostas de quota fixa no Brasil, inaugurada pela Lei nº 14.790/2023 e desenvolvida por uma série de portarias pelo Ministério da Fazenda, por meio da Secretaria de Prêmios e Apostas (SPA). O objetivo declarado do Poder Executivo tem sido estruturar um mercado regulado, com mecanismos de proteção ao consumidor, prevenção à ludopatia, combate à lavagem de dinheiro e preservação de políticas públicas sensíveis, como os programas de transferência de renda.
No curso dessa regulamentação, o STF já havia concedido decisão cautelar delimitando parâmetros para a atuação administrativa, especialmente no que se refere à compatibilização entre a exploração econômica das apostas, a proteção de grupos vulneráveis e os princípios constitucionais da liberdade econômica, da legalidade e da proporcionalidade. Foi à luz dessa decisão que a SPA editou a Portaria nº 2.217/2025 e a Instrução Normativa nº 22/2025, que passaram a vedar a participação de beneficiários do Bolsa Família e do BPC em operadoras de apostas de quota fixa regulamentadas, impondo não apenas a proibição de novos cadastros, mas também o bloqueio e o encerramento compulsório de contas já ativas.
Na avaliação da ANJL, tais atos normativos extrapolaram os limites da decisão cautelar anteriormente proferida pelo STF. A associação sustentou que, ao impor o encerramento compulsório de contas já existentes, o Ministério da Fazenda teria ido além do que foi autorizado pela Corte, criando obrigações operacionais imediatas, de alto impacto e com potencial violação a princípios constitucionais sensíveis. Entre os fundamentos invocados estão a afronta à liberdade econômica, ao princípio da isonomia e à proporcionalidade das medidas adotadas. Segundo a entidade, o simples fato de um usuário ser beneficiário de programa social não autoriza, automaticamente, a imposição de sanções restritivas sem um exame mais aprofundado quanto à adequação, necessidade e razoabilidade da medida, sobretudo diante da existência de mecanismos menos gravosos de controle e monitoramento.
De forma subsidiária, a ANJL não pleiteou a suspensão integral das normas, mas requereu que o início da eficácia das obrigações que implicassem o bloqueio e o encerramento compulsório de contas fosse postergado para momento posterior à conclusão da fase conciliatória do processo.
Ao analisar o pedido, o ministro Luiz Fux adotou uma postura de cautela institucional. O relator destacou, como fundamentos centrais da decisão, a proximidade do recesso forense e o risco concreto de irreversibilidade das consequências decorrentes da aplicação imediata das normas questionadas. Para Fux, permitir que contas já ativas fossem bloqueadas ou encerradas antes da realização da audiência de conciliação poderia gerar efeitos práticos irreversíveis, com impactos diretos sobre usuários e operadoras, além de potencial insegurança jurídica no setor. Por essa razão, entendeu ser necessário preservar, de forma provisória, a situação existente até que o diálogo institucional fosse adequadamente estabelecido.
A decisão, contudo, não esvazia a política pública desenhada pelo Executivo. O STF manteve expressamente a proibição de novos cadastros e de abertura de novas contas para beneficiários do Bolsa Família e do BPC, sinalizando que a proteção de grupos vulneráveis continua sendo um eixo legítimo da regulação, ainda que seus instrumentos específicos permaneçam sob escrutínio judicial.
O debate ganhou contornos adicionais com manifestações apresentadas por outras entidades do setor. A Associação Brasileira de Loterias Estaduais (ABLE), por exemplo, encaminhou manifestação ao STF em 1º de dezembro denunciando o que classificou como excesso regulatório e falhas na implementação das novas regras. Segundo a entidade, as restrições impostas pelo Ministério da Fazenda estariam atingindo indevidamente pessoas que não são beneficiárias de programas sociais, mas que constam como dependentes em bases de dados oficiais.
A ABLE apresentou documentos indicando a existência de inconsistências cadastrais e defasagens nos bancos de dados utilizados para o cruzamento de informações, o que estaria gerando falsos positivos. Há relatos de impactos sobre familiares de beneficiários que não recebem qualquer auxílio estatal, bem como sobre pessoas que já não percebem benefícios assistenciais, mas permanecem vinculadas a cadastros desatualizados. Esse cenário levanta questionamentos relevantes sobre a confiabilidade dos dados utilizados como critério automático para restrições de direitos e reforça o argumento de que medidas de grande impacto não podem prescindir de mecanismos de revisão, contraditório e correção de erros.
O QUE MUDA NA PRÁTICA
Com a decisão do STF, o cenário prático se reorganiza temporariamente. Beneficiários do Bolsa Família e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) que já possuíam contas ativas antes da edição das normas do Ministério da Fazenda podem voltar a utilizá-las, inclusive aqueles que tiveram restrições impostas entre o início de dezembro e o dia 19. Em contrapartida, permanece vedada qualquer nova inscrição desse público em plataformas de apostas.
Na prática, a decisão estabelece um equilíbrio provisório entre as posições em disputa, produzindo os seguintes efeitos:
· Beneficiários do Bolsa Família e do BPC podem utilizar contas de apostas que já estavam ativas antes da edição das normas do Ministério da Fazenda, inclusive nos casos em que houve bloqueio entre 1º de dezembro e 19 de dezembro;
· Nenhum novo cadastro ou abertura de conta é permitido para esse público durante o período de suspensão parcial;
· As regras permanecem válidas até a realização da audiência de conciliação, antecipada para o dia 10 de fevereiro de 2026;
· O mérito da controvérsia ainda será analisado pelo STF, especialmente quanto à constitucionalidade das restrições impostas por atos infralegais e aos limites do poder regulatório da Administração Pública.
A decisão não encerra o debate, mas redefine temporariamente seus contornos. Até que o Supremo se manifeste de forma definitiva, o tema seguirá em discussão, com impacto direto sobre beneficiários de programas sociais, operadoras de apostas e o próprio modelo regulatório que vem sendo construído para o setor no Brasil.
Artigo redigido por Larissa Carvalho advogada na Octus Consulting.



